O princípio constitucional da autonomia desportiva

AuthorMárcia Santos da Silva
ProfessionProfesora Titular de Derecho procesal civil, Facultad de Derecho, Universidad de Marília São Paulo, Brasil
Pages234-265
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O princípio constitucional da autonomia
desportiva*
DRA. MÁRCIA SANTOS DA SILVA**
Sumario
I. Introdução
II. O vocábulo autonomia
III. O princípio constitucional da autonomia desportiva
IV. O futebol e as Comissões Parlamentares de Inquérito
V. A liberdade de associação e o futebol de alto rendimento
VI. A autonomia desportiva e a ordem jurídico-econômica nacional
VII. Considerações nais
VIII. R eferências bibliográcas
I. Introdução
A interpretação do princípio constitucional da autonomia desportiva, dis-
posta no Art. 217 da Constituição Federal, é o grande eixo das discussões
envolvendo as entidades de organização e prática desportiva.
* Estudio presentado como evaluación parcial en el Programa de Maestría en Derecho
de la Universidad de Marília UNIMAR en la Disciplina Metodología de la Investigación,
dirigida por la profesora Dra. Walkíria MARTINEZ HEINRICH FERRER. Publicado na Re-
vista Brasileira de Direito Desportivo, Ano 12, Volume 23, janeiro a junho de 2013, Editora
Revista dos Tribunais, pp. 317-343.
** Profesora Titular de Derecho procesal civil, Facultad de Derecho, Universidad de Marília,
São Paulo, Brasil. Miembro del Grupo de Investigación sobre Derecho del Deporte de
la Universidad de Oriente, Santiago de Cuba. Investigadora de la Red Iberoamericana
de Investigadores en Derecho y Gestión del Deporte (reconocida y patrocinada por
la Asociación Universitaria Iberoamericana de Posgrado, AUIP, Salamanca, España).
marciasantosadv@hotmail.com
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DRA. MÁRCIA SANTOS DA SILVA
Os limites desta autonomia face ao dever do Estado de fomentar e nanciar
práticas desportivas prossionais de alto rendimento como o futebol, con-
duzem ao debate acerca da legitimidade do intervencionismo estatal na
atividade, por intermédio de suas funções legislativa, executiva e judiciária.
A investigação no que tange à natureza jurídica da prática do futebol pro-
ssional, demarcando seus contornos público e privado, favorece o en-
quadramento da atividade e a avaliação da viabilidade de sua exploração
por meio de formato organizacional associativo.
A liberdade de associação e a autonomia de organização e funcionamen-
to, garantias constitucionais, não simbolizam blindagem às entidades
desportivas face ao direito posto, tampouco desnaturam a atividade des-
portiva como um direito de cada um e, portanto, um direito social.
O reconhecimento de que a exploração do futebol, enquanto desporto
de alto rendimento, congura atividade econômica sem deixar de ser
um direito social, autoriza o estudo acerca do quanto de interesse públi-
co há envolvido na atividade, se deve ou não haver obediência à ordem
jurídico-econômica constitucional, bem como, se é possível estabelecer
regulação estatal para o setor.
II. O vocábulo autonomia
A compreensão do sentido da palavra autonomia é de fundamental im-
portância para o processo interpretativo de seu emprego pelo legislador
constitucional.
Em dicionário de língua portuguesa tem-se o seguinte signicado:
Autonomia. [Do gr. autonomía] s. f. i. Faculdade de se governar
por si mesmo. 2. Direito ou faculdade de se reger (uma nação) por
leis próprias. 3. Liberdade ou independência moral ou intelectual.
4. Distância máxima que um veículo, um avião ou um navio pode
percorrer sem se reabastecer de combustível. 5. Ét. Propriedade
pela qual o homem pretende poder escolher as leis que regem sua
conduta. [cf. heteronomia].1 (grifo do autor)
1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1 ed.
11ª impressão, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, p. 163.
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O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AUTONOMIA DESPORTIVA
Em dicionário jurídico, autonomia signica:
“Palavra derivada do grego autonomia (direito de se reger por suas
próprias leis), que se aplica para indicar precisamente a faculdade
que possui determinada pessoa ou instituição, em traçar as normas
de sua conduta, sem que sinta imposições restritivas de ordem es-
tranha (...). Autonomia pode ser absoluta ou relativa.2 (grifo do autor)
Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, ao tratar da administração indireta, apon-
ta a origem grega da palavra autonomia: “Autonomia de autós (próprio) e
nómos (lei), signica o poder de editar as próprias leis, sem subordinação
a outras normas que não as da própria Constituição”.3 (grifo do autor)
Neste contexto, signicando poder, liberdade e independência, é possí-
vel armar que em se tratando de autonomia absoluta tem-se constituída
a própria soberania e, sendo relativa, será simplesmente autonomia tal
como usualmente é a palavra empregada. É o que se depreende da análi-
se do dicionário jurídico:
“Quando se diz autonomia absoluta, entende-se a autonomia so-
berana, sem qualquer restrição que possa limitar a ação de quem
a tem. E, neste caso, é sinônimo da própria soberania, que é aquela
que possuem os Estados independentes e constituídos segundo a
vontade soberana de seus componentes. Entre nós, a autonomia
da União é soberana, pois que nela repousa todo poder político da
Federação. Já a autonomia dos Estados-membros e dos Municípios
se mostra relativa, porque se entende uma autonomia meramente
administrativa, subordinada ao poder soberano da União, que tem,
tão somente, a personalidade internacional, um dos caracteres fun-
damentais da soberania.4
Pode-se dizer, portanto, que a soberania é a autonomia plena e irrestrita
e, num Estado soberano, nenhuma outra instituição gozará de tal poder,
poderá sim, desfrutar de autonomia relativa, ou seja, independência que
2 SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico,Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia
Carvalho, Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 175.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 13 ed., Atlas, São Paulo, 2001,
p. 343.
4 SILVA, op. cit., p. 175.

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